Os acontecimentos na Ucrânia causam-me uma constante amargura e dor. (Alexander Solzhenitsyn)


A Voz da Rússia continua a publicação de uma série de textos de Alexander Solzhenitsyn dedicados às relações Russo-ucranianas.

Excerto da entrevista dada a Vitali Tretiakov para o semanário Moskovskie Novosti (Notícias de Moscou) de 28 de abril/4 de maio de 2006.

V.T.: Eu penso que se os três principais sujeitos da civilização euro-atlântica (cristã), nomeadamente a União Norte-Atlântica, a União Europeia e a União Leste-Europeia (Russa), ou seja, os EUA, os Estados Unidos da Europa e os Estados Unidos da Rússia, não estabelecerem entre si uma aliança estratégica (com órgãos supranacionais), a nossa civilização irá desaparecer mais tarde ou mais cedo. Onde vê uma salvação para a civilização euro-atlântica, se é que ela precisa de uma salvação?

A.S.: Infelizmente o processo político mundial não evolui de forma alguma na direção que você deseja. Os Estados Unidos instalam suas tropas de ocupação num país após outro. Essa é a posição de fato na Bósnia já há 9 anos, no Kosovo e no Afeganistão – há 5 anos, no Iraque por enquanto são 3, mas aí isso irá durar muito tempo. As ações da OTAN e as ações dos EUA em separado têm diferenças pouco significativas. Vendo claramente que a Rússia atual não representa para eles qualquer ameaça, a OTAN desenvolve metódica e insistentemente seu aparelho militar – para o leste da Europa e num cerco continental à Rússia a sul. Isso inclui o evidente apoio material e ideológico das revoluções “coloridas” e a introdução paradoxal dos interesses norte-atlânticos na Ásia Central.

Tudo isso não deixa dúvidas que se prepara um cerco total à Rússia e, mais tarde, a sua perda de soberania. Não, a adesão da Rússia a uma aliança euro-atlântica desse tipo, que realiza a propaganda e a introdução pela força, em diversas partes do planeta, da ideologia e das formas da atual democracia ocidental, iria provocar não o alargamento, mas a decadência da civilização cristã.

V.T.: Como vê aquilo que se passa na Ucrânia e o problema da divisão da nação russa? Deverá a Rússia, mesmo que não seja politicamente, mas apenas de forma intelectual, colocar a questão da reunificação dos russos e das terras russas no caso de uma deslocação pela elite ucraniana da Ucrânia para a União Europeia e especialmente para a OTAN?

A.S.: Os acontecimentos na Ucrânia, e que vêm ainda desde a fórmula falsamente elaborada para o referendo de 1991 (eu já escrevi e falei sobre isso), causam-me uma constante amargura e dor. A repressão e perseguição fanática da língua russa (a qual nas pesquisas anteriores foi reconhecida como principal por mais de 60% da população da Ucrânia) é simplesmente uma medida cruel, e é mesmo dirigida contra as perspectivas culturais da própria Ucrânia. – Espaços enormes que nunca pertenceram à Ucrânia histórica, como a Novorossiya, a Crimeia e toda a região do Sudeste, foram enfiadas à força no atual Estado ucraniano e na sua política de desejo ávido em entrar para a OTAN. Durante todo o tempo de Yeltsin, nenhuma das suas reuniões com os presidentes ucranianos decorreu sem capitulações e cedências de sua parte. A erradicação da Frota do Mar Negro de Sevastopol (que nem no tempo de Khruschev tinha sido cedido à República Socialista Soviética da Ucrânia) é um baixo e sórdido sacrilégio relativamente a toda história russa dos séculos XIX e XX.

Em todas essas circunstâncias, a Rússia não pode ousar de forma nenhuma trair friamente os muitos milhões de habitantes russos da Ucrânia e negar a nossa unidade com essa população.

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