O que estΓ‘ sendo feito contra o governo democraticamente eleito de Dilma Rousseff nΓ£o passa de um nauseante golpismo, de oportunismo barato, de hipocrisia galopante que a sociedade deve repudiar em nome da democracia e do Estado de Direito
Qualquer leigo que vΓͺ toda essa celeuma em torno da mais nova marca do golpismo crΓ΄nico que se abateu sobre o paΓs apΓ³s o inΓcio do segundo mandato de Dilma Rousseff – as ditas “pedaladas fiscais” –, acaba achando que versa sobre comportamento antiΓ©tico do governo e, mais do que isso, de prΓ‘tica inventada por ele.
Em poucas palavras, portanto, vale refletir sobre aquilo de que esse governo Γ© acusado e por que Γ© absolutamente nonsense sequer cogitar que a presidente da RepΓΊblica tenha praticado “crime de responsabilidade” e, pior, cogitar que ela seja passΓvel de “impedimento” pelas medidas ora sob questionamento.
O Tribunal de Contas da UniΓ£o deu prazo de 30 dias para Dilma explicar as contas do governo em 2014. Por que? Simplesmente porque o governo federal impediu que dificuldades orΓ§amentΓ‘rias episΓ³dicas – e que seriam sanadas em seguida – causassem graves prejuΓzos a programas sociais e previdenciΓ‘rios como o Bolsa FamΓlia, o abono e seguro-desemprego e os subsΓdios agrΓcolas.
O Tesouro Nacional teria atrasado repasses a instituiΓ§Γ΅es financeiras pΓΊblicas como Caixa EconΓ΄mica Federal, Banco do Brasil e BNDES, entre outras que intermedeiam pagamentos das despesas do governo. As instituiΓ§Γ΅es fizeram os pagamentos com recursos prΓ³prios e depois foram ressarcidas pelo governo, o que, no entender do TCU, teria constituΓdo operaΓ§Γ΅es de crΓ©dito proibidas pela Lei de Responsabilidade fiscal.
Apesar de essa ser uma prΓ‘tica comum na administraΓ§Γ£o pΓΊblica desde que foi criada a LRF, em 2000, e que comeΓ§ou a ocorrer ainda no governo Fernando Henrique Cardoso – que, apΓ³s a promulgaΓ§Γ£o da lei, em seus dois ΓΊltimos anos de mandato (2001 e 2002) fez a mesma coisa que o atual governo –, o que se vΓͺ Γ©, mais uma vez, a oposiΓ§Γ£o e a mΓdia tucanas, aliadas ao partidarizado TCU, cogitarem atΓ© pedir o impeachment da presidente da RepΓΊblica.
A situaΓ§Γ£o Γ© ainda mais revoltante Γ luz do que outros tribunais de contas fazem neste paΓs, quando aprovam contas de governos estaduais que infringem o interesse pΓΊblico e que gastam mal seus recursos.
Tomemos como exemplo o emporcalhado Tribunal de Contas do Estado de SΓ£o Paulo, infestado por indicaΓ§Γ΅es polΓticas do impΓ©rio tucano no Estado – que jΓ‘ dura duas dΓ©cadas e que, atΓ© recentemente, manteve em seus quadros o famigerado “doutor Roubson”, apelido do ex-conselheiro do TCE-SP Robson Marinho.
Nota explicativa: para quem nΓ£o sabe, em fevereiro deste ano a JustiΓ§a determinou o bloqueio de bens do conselheiro afastado do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de SΓ£o Paulo) Robson Marinho e da multinacional francesa Alstom em razΓ£o da suspeita de que ele tenha recebido propina da empresa. Um dos fundadores do PSDB, Marinho foi o principal secretΓ‘rio do governo de MΓ‘rio Covas (PSDB), de janeiro de 1995 a abril de 1997, ao ocupar a chefia da Casa Civil.
Enquanto o governo Dilma estΓ‘ Γ s voltas com a atuaΓ§Γ£o politiqueira do TCU, mais um governo tucano passeia sobre a lei graΓ§as Γ s nomeaΓ§Γ΅es polΓticas para TCE-SP. E, mais uma vez, um governo do PT paga o preΓ§o pela adoΓ§Γ£o de espΓrito republicano ao nomear pessoas para cargos que permitem atacar esse governo sem se valer de critΓ©rios polΓticos.
As contas de 2014 do governador de SΓ£o Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), por exemplo, foram aprovadas sem sobressaltos pelos conselheiros do Tribunal de Contas do Estado na ΓΊltima quarta-feira (17). O julgamento durou apenas 90 minutos.
Confira abaixo, leitor, trecho de reportagem da Folha de SΓ£o Paulo de quinta-feira, 18 de junho de 2015, sobre a aprovaΓ§Γ£o relΓ’mpago das contas do governo Alckmin em 2014.
“Dominado por aliados do tucano, o TCE deu tratamento brando mesmo a temas politicamente incΓ΄modos para o governo, como a crise hΓdrica.
No relatΓ³rio do conselheiro Dimas Ramalho, as causas do desabastecimento de Γ‘gua foram objeto de algumas das mais de cem recomendaΓ§Γ΅es feitas ao governo.
“SerΓ‘ que alguΓ©m precisa dizer que a falta d’Γ‘gua foi causada por atraso nas obras?”, questionou Roque Citadini, decano da corte e crΓtico tradicional da gestΓ£o de Alckmin.
“O governo precisa explicar claramente por que as metas nΓ£o foram cumpridas”, continuou.
Foi dele a proposta para transformar todas as recomendaΓ§Γ΅es do relator em ressalvas –o que, pelos termos da lei, equivaleria a imputar reprovaΓ§Γ΅es pontuais a dezenas de aspectos da prestaΓ§Γ£o de contas do governo. RecomendaΓ§Γ΅es, por si, nΓ£o tΓͺm qualquer efeito prΓ‘tico.
Temendo o “descrΓ©dito” do TCE com recomendaΓ§Γ΅es que caem no vazio, o conselheiro Renato Martins Costa sugeriu uma fΓ³rmula para suavizar a reprimenda ao governo: se uma mesma recomendaΓ§Γ£o fosse ignorada por dois anos consecutivos, ela passaria a ser considerada ressalva.
Foi essa a decisΓ£o que prevaleceu no TCE, por quatro votos a trΓͺs.
Durante a tarde, tΓ©cnicos da Casa comeΓ§aram a procurar as recomendaΓ§Γ΅es coincidentes entre o relatΓ³rio deste ano e o do ano passado para estabelecer as ressalvas.
Em 2014, o Estado teve receitas de R$ 185,3 bilhΓ΅es e despesas de R$ 185,6 bilhΓ΅es –dΓ©ficit de R$ 355 milhΓ΅es (-0,19%), indicativo em queda desde 2011. A arrecadaΓ§Γ£o cresceu 5,4% no perΓodo.
Ao mencionar a diferenΓ§a de 2% entre a previsΓ£o orΓ§amentΓ‘ria e o que foi efetivamente arrecadado, o relator Ramalho atribuiu o mau resultado Γ conjuntura econΓ΄mica nacional.
No ano passado, despesas com pessoal consumiram R$ 73,6 bilhΓ΅es –o que correspondeu a 39% da despesa total da mΓ‘quina do Estado (o limite legal Γ© 49%). O gasto com terceirizados alcanΓ§ou R$ 15 bilhΓ΅es no perΓodo.
Pagamentos da dΓvida consumiram R$ 9,5 bilhΓ΅es em 2014. Em 1997, momento da renegociaΓ§Γ£o com a UniΓ£o, o Estado devia R$ 46 bilhΓ΅es.
Apesar de ter pago R$ 112,8 bilhΓ΅es em 17 anos, o Estado fechou 2014 com dΓvida de R$ 197,8 bilhΓ΅es”
Qual Γ© a diferenΓ§a entre as contas de Alckmin e de Dilma em 2014? Dilma atrasou, por um curto perΓodo, repasse a bancos de pagamentos de programas sociais. Fez isso em benefΓcio da populaΓ§Γ£o. JΓ‘ Alckmin, gastou mal os recursos, teve dΓ©ficit orΓ§amentΓ‘rio e nΓ£o foi para beneficiar os paulistas, jΓ‘ que deixou de investir, por exemplo, em seguranΓ§a hΓdrica, causando os problemas de abastecimento que todos conhecem.
E teve as contas aprovadas, sem ressalvas, em 90 minutos.
Pior do que isso tudo Γ© editorial da mesma Folha de SΓ£o Paulo, publicado na mesma ediΓ§Γ£o que a matΓ©ria supra reproduzida, que tenta vender que o TCU “inovar” com Dilma por ter adotado prΓ‘tica que os governos FHC e Lula tambΓ©m adotaram seria positivo e indicativo de mudanΓ§a de comportamento institucional em relaΓ§Γ£o Γ “irresponsabilidade fiscal”.
O que o TCU estΓ‘ fazendo nΓ£o Γ© nada disso. Se nΓ£o fosse o casuΓsmo de condenar no governo Dilma o que vem sendo admitido em todos os governos pΓ³s adoΓ§Γ£o da Lei de Responsabilidade fiscal, poder-se-ia dizer que aquela Corte adota “fiscalismo”, termo que o dicionΓ‘rio Houaiss bem define como “Busca do equilΓbrio fiscal em detrimento dos aspectos sociais e polΓticos da tributaΓ§Γ£o”.
Mais uma vez, portanto, o que estΓ‘ sendo feito contra o governo democraticamente eleito de Dilma Rousseff nΓ£o passa de um nauseante golpismo, de oportunismo barato, de hipocrisia galopante que a sociedade deve repudiar em nome da democracia e do Estado de Direito.
Fonte: http://www.brasil247.com/
