O apego à matéria gera uma paixão contra a natureza. à então que nasce a perturbação em todo o corpo; é por isso que eu vos digo: Estejais em harmonia... Se sois desregrados, inspirai-vos em representaçáes de vossa verdadeira natureza. Que aquele que tem ouvidos para ouvir, ouça.
ApΓ³s ter dito aquilo, o Bem-aventurado saudou-os a todos dizendo:
Paz a vΓ³s – que minha Paz seja gerada e se complete em vΓ³s! Velai para que ninguΓ©m vos engane dizendo: Ei-lo aqui. Ei-lo lΓ‘. Porque Γ© em vosso interior que estΓ‘ o Filho do Homem; ide a Ele: aquele que o procuram o encontram. Em marcha! Anunciai o Evangelho do Reino.
(Evangelho de Maria Madalena)
Em 1945, em Nag Hamadi, no alto Egito, foram encontrados, em lΓngua copta, os evangelhos de TomΓ© e de Maria Madalena. De Maria Madalena, infelizmente, o texto estΓ‘ fragmentado. A presenΓ§a de tantos textos fragmentados pode ser atribuΓda, alΓ©m de outros fatores, aos decretos e recomendaçáes papais solicitando o nΓ£o uso desses textos pelos cristΓ£os. Γ conhecido o decreto Gelasiano (referente ao Papa GelΓ‘sio - falecido em 496), contendo uma lista de 60 livros apΓ³crifos do Segundo Testamento, os quais os cristΓ£os deveriam evitar. E muitos livros apΓ³crifos foram para a fogueira. DaΓ a importΓ’ncia de se encontrar um livro como o de Maria Madalena, guardado e conservado por tantos anos.
As mulheres sΓ£o importantΓssimas no inΓcio do cristianismo. Entre elas, destacam-se Maria Madalena, Maria, MΓ£e de Jesus, Tecla, VerΓ΄nica. Nos evangelhos apΓ³crifos sobre Maria, MΓ£e de Jesus, nΓ³s encontramos uma mulher diferente da que aparece nos evangelhos canΓ΄nicos. Se em Atos dos ApΓ³stolos ela Γ© aquela mulher subserviente, que estΓ‘ junto aos apΓ³stolos, mas que nΓ£o tem lideranΓ§a, nos apΓ³crifos ela Γ© uma mulher que discute de igual para igual com os apΓ³stolos e que tem lideranΓ§a entre eles. Tecla, da mesma forma, era a companheira de Paulo na evangelização. Ela batizava. Mas logo no inΓcio do Cristianismo a voz de Tecla foi silenciada. Tertuliano, que lutou contra o movimento de mulheres cristΓ£s, no ano 200 E.C., escreveu o seguinte: "... Que elas se calem e que questionem, em casa, os seus maridos".
Quem Γ© essa mulher? A interpretação "errΓ΄nea" de outros textos dos evangelhos chegou a identificΓ‘-la com Maria irmΓ£ de Marta, com a mulher que ungiu Jesus e, o que Γ© pior, com a prostituta, interpretação que ficou mais no inconsciente coletivo. Quem nΓ£o "aprendeu" que Maria Madalena era prostituta? E como seria bom "desaprender" isso. Tente! E vocΓͺ verΓ‘ como Γ© bonito descobrir o novo. Γ isso que estΓ‘ acontecendo com as comunidades e pessoas que jΓ‘ estudaram o Evangelho de Maria Madalena. Elas estΓ£o descobrindo a Maria Madalena mulher, discΓpula de Jesus, lΓder entre os primeiros cristΓ£os. E porque nΓ£o "apΓ³stola" e mulher que Jesus tanto amou? Γ verdade que muitos tambΓ©m se escandalizam com testemunho dado pelo Evangelho de Filipe o sobre o relacionamento entre Jesus e Maria Madalena: "A companheira de Cristo Γ© Maria Madalena. O Senhor amava Maria mais do que todos os discΓpulos e a beijava freqΓΌentemente na boca. Os discΓpulos viram-no amando Maria e lhe disseram: Por que a amas mais que a todos nΓ³s? O Salvador respondeu dizendo: Como Γ© possΓvel que eu nΓ£o vos ame tanto quanto a ela? (Filipe 63, 34-64,5). E em outra parte diz: "Eram trΓͺs que acompanhavam o Senhor: sua mΓ£e Maria, a irmΓ£ dela, e Madalena, que Γ© chamada de sua companheira. Com efeito, era 'Maria' sua irmΓ£, sua mΓ£e e a sua esposa" (Filipe 32).
Creio que podemos compreender isso olhando a cultura e a vida de tantos outros mΓsticos. Francisco e Clara de Assis viveram essa mesma experiΓͺncia sublime de amor.
Fonte: Entrevista com o Frei Jacir de Freitas Faria sobre os apΓ³crifos
INTRODUΓΓO DO EVANGELHO DE MARIA MADALENA
O Salvador disse: "Todas as espΓ©cies, todas as formaçáes, todas as criaturas estΓ£o unidas, elas dependem umas das outras, e se separarΓ£o novamente em sua prΓ³pria origem. Pois a essΓͺncia da matΓ©ria somente se separarΓ‘ de novo em sua prΓ³pria essΓͺncia. Quem tem ouvidos para ouvir que ouΓ§a."
Pedro lhe disse: "JΓ‘ que nos explicaste tudo, dize-nos isso tambΓ©m: o que Γ© o pecado do mundo?"
Jesus disse: "NΓ£o hΓ‘ pecado; sois vΓ³s que os criais, quando fazeis coisas da mesma espΓ©cie que o adultΓ©rio, que Γ© chamado 'pecado'. Por isso Deus Pai veio para o meio de vΓ³s, para a essΓͺncia de cada espΓ©cie, para conduzi-la a sua origem."
Em seguida disse: "Por isso adoeceis e morreis [...]. Aquele que compreende minhas palavras, que as coloque-as em prΓ‘tica. A matΓ©ria produziu uma paixΓ£o sem igual, que se originou de algo contrΓ‘rio Γ Natureza Divina. A partir daΓ, todo o corpo se desequilibra. Essa Γ© a razΓ£o por que vos digo: tende coragem, e se estiverdes desanimados, procurais forΓ§a das diferentes manifestaçáes da natureza. Quem tem ouvidos para ouvir que ouΓ§a."
Quando o Filho de Deus assim falou, saudou a todos dizendo: "A Paz esteja convosco. Recebei minha paz. Tomai cuidado para ninguém vos afaste do caminho, dizendo: 'Por aqui' ou 'Por lÑ', Pois o Filho do Homem estÑ dentro de vós. Segui-o. Quem o procurar, o encontrarÑ. Prossegui agora, então, pregai o Evangelho do Reino. Não estabeleçais outras regras, além das que vos mostrei, e não instituais como legislador, senão sereis cerceados por elas." Após dizer tudo isto partiu.
Mas eles estavam profundamente tristes. E falavam: "Como vamos pregar aos gentios o Evangelho ao Reino do Filho do Homem? Se eles não o procuraram, vão poupar a nós?" Maria Madalena se levantou, cumprimentou a todos e disse a seus irmãos: "Não vos lamentais nem sofrais, nem hesiteis, pois sua graça estarÑ inteiramente convosco e vos protegerÑ. Antes, louvemos sua grandeza, pois Ele nos preparou e nos fez homens". Após Maria ter dito isso, eles entregaram seus coraçáes a Deus e começaram a conversar sobre as palavras do Salvador.
Pedro disse a Maria: "IrmΓ£, sabemos que o Salvador te amava mais do que qualquer outra mulher. Conta-nos as palavras do Salvador, as de que te lembras, aquelas que sΓ³ tu sabes e nΓ³s nem ouvimos."
Maria Madalena respondeu dizendo: "Esclarecerei a vΓ³s o que estΓ‘ oculto". E ela comeΓ§ou a falar essas palavras: "Eu", disse ela, "eu tive uma visΓ£o do Senhor e contei a Ele: 'Mestre, apareceste-me hoje numa visΓ£o'. Ele respondeu e me disse: 'Bem aventurada sejas, por nΓ£o teres fraquejado ao me ver. Pois, onde estΓ‘ a mente hΓ‘ um tesouro'. Eu lhe disse: 'Mestre, aquele que tem uma visΓ£o vΓͺ com a alma ou como espΓrito?' Jesus respondeu e disse: 'NΓ£o vΓͺ nem com a alma nem com o espΓrito, mas com a consciΓͺncia, que estΓ‘ entre ambos - assim Γ© que tem a visΓ£o' [...]".
"E o desejo disse Γ alma: 'NΓ£o te vi descer, mas agora te vejo subir. Por que falas mentira, jΓ‘ que pertences a mim?' A alma respondeu e disse: 'Eu te vi. NΓ£o me viste, nem me reconheceste. Usaste-me como acessΓ³rio e nΓ£o me reconheceste'. Depois de dizer isso, a alma foi embora, exultante de alegria."
"De novo alcanΓ§ou a terceira potΓͺncia, chamada ignorΓ’ncia. A potΓͺncia inquiriu a alma, dizendo: 'Onde vais? EstΓ‘s aprisionada Γ maldade. EstΓ‘s aprisionada, nΓ£o julgues!' E a alma disse: 'Por que me julgaste apesar de eu nΓ£o haver julgado? Eu estava aprisionada; no entanto, nΓ£o aprisionei. NΓ£o fui reconhecida que o Todo se estΓ‘ desfazendo, tanto as coisas terrenas quanto as celestiais'."
"Quando a alma venceu a terceira potΓͺncia, subiu e viu a quarta potΓͺncia, que assumiu sete formas. A primeira forma, trevas,; a segunda , desejo; a terceira, ignorΓ’ncia,; a quarta, Γ© a comoção da morte; a quinta, Γ© o reino da carne; a sexta, Γ© a vΓ£ sabedoria da carne; a sΓ©tima, a sabedoria irada. Essas sΓ£o as sete potΓͺncias da ira. Elas perguntaram Γ alma: 'De onde vens, devoradoras de homens, ou onde vais, conquistadora do espaΓ§o?' A alma respondeu dizendo: 'O que me subjugava foi eliminado e o que me fazia voltar foi derrotado..., e meu desejo foi consumido e a ignorΓ’ncia morreu. Num mundo fui libertada de outro mundo; num tipo fui libertada de um tipo celestial e tambΓ©m dos grilhΓ΅es do esquecimento, que sΓ£o transitΓ³rios. Daqui em diante, alcanΓ§arei em silΓͺncio o final do tempo propΓcio, do reino eterno'."
Depois de ter dito isso, Maria Madalena se calou, pois até aqui o Salvador lhe tinha falado. Mas André respondeu e disse aos irmãos: "Dizei o que tendes para dizer sobre o que ela falou. Eu, de minha parte, não acredito que o Salvador tenha dito isso. Pois esses ensinamentos carregam idéias estranhas". Pedro respondeu e falou sobre as mesmas coisas. Ele os inquiriu sobre o Salvador: "SerÑ que ele realmente conversou em particular com uma mulher e não abertamente conosco? Devemos mudar de opinião e ouvirmos ela? Ele a preferiu a nós?" Então Maria Madalena se lamentou e disse a Pedro: "Pedro, meu irmão, o que estÑs pensando? Achas que inventei tudo isso no mau coração ou que estou mentindo sobre o Salvador?"
Levi respondeu a Pedro: "Pedro, sempre fostes exaltado. Agora te vejo competindo com uma mulher como adversΓ‘rio. Mas, se o Salvador a fez merecedora, quem Γ©s tu para rejeitΓ‘-la? Certamente o Salvador a conhece bem. DaΓ a ter amado mais do que a nΓ³s. Γ antes, o caso de nos envergonharmos e assumirmos o homem perfeito e nos separaremos, como Ele nos mandou, e pregarmos o Evangelho, nΓ£o criando nenhuma regra ou lei, alΓ©m das que o Salvador nos legou."
Depois que Levi disse essas palavras, eles começaram a sair para anunciar e pregar.