Ontem, a CNV ouviu o irmão de João Leonardo, Mario Rocha
Filho, que apoiou a iniciativa e hoje teve amostra de DNA colhida para o
caso de uma futura exumação
A Comissão Nacional da Verdade está realizando pesquisas de campo com
o objetivo de encontrar o local de sepultamento do professor e
estudante de direito João Leonardo da Silva Rocha, militante da Molipo,
morto na cidade de Palmas de Monte Alto, no sertão da Bahia, em suposto
confronto com policiais militares em junho de 1975.
A iniciativa conta com o apoio do irmão mais velho de João Leonardo, o
advogado Mario Rocha Filho, de 76 anos, que autorizou a exumação dos
restos mortais, caso o procedimento seja tecnicamente viável. Hoje,
Rocha Filho colheu material genético no Instituto Nacional de
Criminalística, em Brasília, para o banco de DNA de familiares de mortos
e desaparecidos. O material poderá ser usado caso ocorra a exumação.
No mês de fevereiro, baseado nas investigações realizadas pelo
coordenador da Comissão Rubens Paiva, Ivan Seixas, e nos relatos e
apurações iniciadas pelo advogado Miguel Arcanjo Montalvão Pires,
morador de Palmas, o gerente de projeto do grupo de trabalho Mortos e
Desaparecidos, da CNV, Daniel Lerner, esteve na cidade acompanhado do
médico legista Aluísio Trindade, da Polícia Civil do DF, e colheu o
depoimento de Pires e de mais sete pessoas que tiveram alguma ligação
com o caso.
Uma delas, o pedreiro Almerindo Porto Lopes, o seu Nélio, que afirma
ter sido uma das pessoas que carregaram o caixão de João Leonardo até o
cemitério da cidade onde ele foi enterrado, indicou um provável local de
sepultamento. Entretanto, Lopes aponta uma área e não uma sepultura
específica e outros testemunhos indicam que o local do sepultamento
seria em outro ponto do mesmo cemitério.
Além de tentar encontrar o local de sepultamento, as diligências
visaram colher informações ante-mortem de Leonardo e sobre o Estado em
que se encontrava o corpo após a morte. As informações podem auxiliar na
identificação dos restos mortais em caso de exumação.
A missão também procurou, nos depoimentos, tentar apurar as
motivações da caçada empreendida pela PM da Bahia a João Leonardo, que
usava então documentos em nome de José Eduardo da Costa Lourenço e
tentava, ao que tudo indica, sobreviver até que a situação política se
acalmasse e ele pudesse sair da clandestinidade, já que não há registro
de que tenha realizado atividade política naquele período. Antes de
mudar para a região de Guanambi, João Leonardo havia vivido na
localidade de São Vicente, no município de Itapetim, em Pernambuco.
A CNV mostrou fotos de João Leonardo para vários depoentes, que o
reconheceram. Além disso, uma carta em posse de um dos contatos de João
Leonardo na Bahia, anexada ao inquérito policial realizado na época pela
polícia baiana, registra no envelope uma anotação dizendo que José
Eduardo na verdade era João Leonardo.
A versão da polícia na época, que foi disseminada na região, é que
João Leonardo era um caçador e também um pistoleiro e que sua morte se
deu no curso de uma investigação sobre um suposto conflito agrário,
entretanto não há registros de envolvimento dele em crimes contra a vida
naquele período. Resta saber se a PM já sabia que João Leonardo era um
ex-integrante de grupos de oposição armada. O inquérito policial, apesar
do envelope anexado, não trata a vítima pela sua verdadeira identidade
em nenhum momento.
IRMÃO NO RIO - Após a diligência em Palmas de Monte
Alto, a CNV procurou a família do militante da Molipo e localizou no Rio
de Janeiro seu irmão, o advogado Mario Rocha Filho, 76 anos. Filho
prestou ontem depoimento à CNV, em Brasília, e contou sobre todos os
esforços que empreendeu desde 1978, quando seus pais ainda eram vivos,
para localizar o irmão.
"A última vez que falei com João foi no México, no hotel Del Bosque,
antes dele ir para Cuba", contou o advogado. Mário soube depois que o
irmão, na clandestinidade, evitava ao máximo contatar os parentes para
que eles não corressem risco de vida.
"Fui informado pelo advogado Luiz Eduardo Greenhalgh que meu irmão
havia sido morto na Bahia e que eu procurasse a ex-militante da Molipo
Ana Corbisier. Estive com ela e ela me disse que esteve com ele num
'ponto' em Arcoverde (PE) e que, quando era para ter ocorrido um segundo
encontro, ele não apareceu, por temer que estava sendo perseguido",
contou Mario.
Nos anos 80, após intermediação da igreja católica, Mario conseguiu
contatar o agricultor Jerônimo, única pessoa em quem João Leonardo
confiava e a quem revelou o segredo de que era um militante que vivia
clandestino. Foi também através de um religioso, o Padre José, da
diocese de Afogados da Ingazeira, que a família descobriu que João
Leonardo havia sido enterrado em Palmas de Monte Alto.
"Depois agendei uma viagem com Severino (filho de Jerônimo à Bahia)
para tentar localizar a sepultura de meu irmão, já nos anos 80, mas dias
antes ele sofreu um acidente numa obra, no Rio de Janeiro, e morreu",
contou Mario.
"Se por um lado havia uma questão de terras, por outro lado, quando
João Leonardo saiu de Itapetim, saiu porque sentia-se perseguido
politicamente", afirma o advogado, citando a principal controvérsia
existente nas investigações até agora realizadas. Segundo a família
apurou, um político local estava levantando a vida do Zé Careca, como
João Leonardo era conhecido nesse período final da vida em que viveu
entre o sertão pernambucano e baiano.
Mario indicou à CNV o nome de uma testemunha e de sua mulher, pessoas
que teriam participado do sepultamento de João Leonardo e requereu que a
CNV faça a exumação, caso ela seja viável tecnicamente e reiterou que
ela é do desejo da família.
"O encontro dos restos mortais de João Leonardo transcende o desejo
da família, pois é uma história que pertence a todos nós, mas é meu
desejo veemente que a exumação ocorra", afirmou o advogado.
Comissão Nacional da Verdade
Assessoria de Comunicação
Mais informações à imprensa: Marcelo Oliveira
(61) 3313-7324 | comunicacao@cnv.presidencia.gov.br
Fonte: http://www.cnv.gov.br/
Tags
BRASIL
