Por: Wanderson Dutch
Historicamente falando, as pessoas que mais causaram danos irreversíveis à humanidade, especialmente ao mundo ocidental, foram aquelas que diziam estar fazendo a vontade de Deus. Dos tribunais da Inquisição às Cruzadas, das fogueiras da Idade Média aos discursos inflamados de supremacia religiosa que legitimaram genocídios e escravidão, a história está repleta de figuras que, em nome do divino, exerceram o poder de forma brutal e implacável. Hoje, a roupagem mudou, os métodos se modernizaram, mas o princípio permanece o mesmo: usar a fé como ferramenta de dominação política e social.
A ascensão de figuras como Frei Gilson, impulsionada por um bolsonarismo que ainda se mantém vivo nas bases religiosas do Brasil, não é coincidência. É método. É estratégia de manipulação. É uso da religião para manter o curral eleitoral intacto.
A manipulação da fé como arma política
A história política brasileira nunca se divorciou da instrumentalização religiosa. A Ditadura Militar utilizou a “moral cristã” para justificar perseguições, assassinatos e censura. Nos anos 1980, a ascensão dos evangélicos na política começou a moldar um Brasil cada vez mais refém do fundamentalismo. Nos anos 2000, o neopentecostalismo dominou a política institucional e chegou ao Congresso Nacional. Mas foi em 2018 que essa fusão entre religião e política atingiu um novo patamar.
Bolsonaro, um político sem carisma próprio, precisou do verniz religioso para se consolidar. Sem apoio da elite intelectual e das bases progressistas, ele recorreu ao exército de pastores, padres e figuras cristãs para pavimentar sua ascensão ao poder. O bolsonarismo não teria existido sem o suporte maciço das igrejas evangélicas e católicas conservadoras, que transformaram o discurso político em uma cruzada contra inimigos imaginários: “comunismo”, “ideologia de gênero”, “ameaça à família”.
Agora, com as eleições de 2026 no horizonte, o projeto não apenas continua, mas se intensifica. A presença de Frei Gilson e outros líderes religiosos na política digital não é um acaso: é preparação de terreno.
Lives de madrugada: o novo púlpito digital
O fenômeno das lives religiosas diárias não deve ser subestimado. Milhões de brasileiros, mergulhados em crises emocionais, financeiras e existenciais, encontram nesses espaços um refúgio psicológico. Não porque os líderes religiosos ofereçam soluções reais, mas porque fornecem explicações fáceis para problemas complexos, sempre reforçando a obediência cega e a passividade.
Frei Gilson, assim como outros líderes carismáticos, entende o jogo digital. Ele não está apenas pregando, está ocupando espaço no algoritmo, dominando corações e mentes antes que qualquer oposição tenha a chance de se manifestar. Isso é método.
Ao engajar seus fiéis em transmissões diárias, ele cria um vínculo emocional que transcende o discurso político tradicional. Ele não precisa pedir votos diretamente. Basta construir a narrativa de que Bolsonaro e a extrema-direita representam os valores cristãos e que qualquer oposição ao bolsonarismo é uma oposição à própria fé. E é assim que se mantém um curral eleitoral fiel e manipulável.
Onda conservadora e o projeto de poder para 2026
O vídeo de Frei Gilson em uma “live patriota” em 2021 ressurgindo agora, em 2025, não é aleatório. Quando conteúdos assim viralizam um ano antes das eleições, é porque há movimentação nos bastidores. O bolsonarismo precisa reorganizar sua base.
Bolsonaro, mesmo inelegível, continua sendo o líder espiritual da extrema-direita. Mas a máquina precisa de novos rostos para manter a influência ativa. É por isso que vemos pastores, bispos, padres e figuras religiosas sendo impulsionadas como referência para essa nova fase do projeto. Frei Gilson não está sozinho. Ele é parte de um mecanismo de doutrinação que opera há anos e que agora se intensifica, preparando o terreno para o que virá em 2026.
A Canção Nova e o fascismo carismático
A Canção Nova, assim como a maioria das grandes redes de comunicação cristãs no Brasil, é uma peça fundamental na disseminação desse projeto. O que muitos chamam de “carisma” nada mais é do que um fundamentalismo disfarçado de devoção, uma teologia baseada no medo e na obediência absoluta.
O fascismo carismático católico não precisa de tanques na rua ou de um golpe militar. Ele se infiltra nas casas pelas telas de TV, pelos rádios, pelos celulares. Ele destrói a capacidade crítica do indivíduo, substituindo o pensamento livre por uma fé dogmática e manipulável. Não é sobre religião, é sobre controle.
A solução: consciência e resistência
Se há algo que podemos aprender com a história, é que nenhuma manipulação se sustenta para sempre. A resistência ao fundamentalismo religioso precisa ser ativa e estratégica. Se Frei Gilson e outros usam o digital como ferramenta de dominação, é no digital que devemos combatê-los.
Expôr as contradições desse discurso, desconstruir a relação entre fé e política, criar espaços alternativos de informação e reflexão—tudo isso é essencial para impedir que mais uma eleição seja sequestrada pelo extremismo religioso.
Porque, no fim das contas, não se trata de Deus. Trata-se de poder. E enquanto a fé for usada como ferramenta de controle, a liberdade será apenas uma ilusão.
Fonte: https://lermais.com.br